Coração Desregulado

Gabriela Pontes
3 min readDec 20, 2020

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Diferente de nós,
meros humanos,
tu transbordas belos atributos.
Perfeitos atributos.
Tudo em ti é perfeito, belo, santo.
Tal qual se estende o céu além da minha capacidade de enxergar,
assim é a beleza da tua santidade:
nenhum deles sou capaz de conceber a grandiosidade,
e ambos me assustam pelo mesmo motivo.

Ainda sim,
meu coração insiste em recorrer a outros amores,
a outros deuses,
a outros prazeres.

Meu coração é a maior fábrica existente.
Ele produz em massa diariamente.
Trabalha em alta velocidade e diversidade.
Ele é a maior fábrica já vista:
seus produtos são meus ídolos.

Ensina-me, Pai de misericórdia,
a amar a tua criação corretamente,
a amá-la por tua causa;
porque, assim,
eu te amarei muito mais.
Santo Agostinho já conversava contigo sobre mim antes de eu nascer,
e eu não quero mais corresponder às suas palavras.

Mesmo reconhecendo tua majestade e soberania sobre tudo,
sobre todas as coisas criadas,
meu coração permanece cegado para a tua luz,
que é refletida sobre cada uma delas.

“Por que perseguimos as coisas que fizemos com nossas próprias mãos?”,
Ogden e minha alma cantam em uníssono tal pergunta,
e da mesma forma pedimos:
abre nossos olhos para te vermos como és.

Senhor, ilumina os olhos do meu coração,
para que, em tua plena luz, tudo retorne aos seus devidos lugares.

Tal qual um trabalhador cansado e sobrecarregado,
injustiçado e sem direitos,
quero pôr fogo a essa fábrica.

Quero que traga redenção aos meus olhos,
que eles não olhem em volta à procura de um rei para Cordis;
mas, sim, que,
em tudo que virem,
não deixem de te enxergar e clamar:
“Vida longa ao único Rei digno do trono!”.

Cura-me, Soberano.
Dá-me olhos com boa visão periférica,
que estejam capacitados a te ter em meu campo de visão
olhando na direção que for.

Entre nós,
meros humanos,
é comum vermos pessoas completamente corrompidas produzindo boas coisas.
Mas contigo, Santo Criador,
não é da mesma forma:
cada uma das tuas criações revela teus atributos.
A beleza da tua sabedoria está registrada em cada uma de tuas dádivas.
Meu coração é indesculpável por saber disso.

A grandeza dos céus,
o brilho e o calor do sol,
a natureza mutuamente dependente e autossustentável,
a criatividade humana,
a beleza do casamento,
o mistério da gravidez,
a busca constante por heróis:
toda a criação te revela e conta tua história.

Somos como espelhos e refletimos tua beleza luminosa.
A luz não vem do espelho,
muito menos a beleza,
mas sim daquele que é a própria Luz.

Tu és luz, Santo.
Luz que faz olhos verem e pernas andarem.
Cure meus olhos,
cure minhas pernas.

Clamo a ti por misericórdia,
porque sei que vês a fumaça saindo de minha fábrica ativa.
Ela é como um daqueles prédios turísticos,
que só de se estar próximo da cidade já é possível enxergá-los.

Sei que me vês,
que enxergas cada local empoeirado e obscuro do meu coração,
que conheces aquilo que nem sequer eu conheço em mim.
Sei que sabes mais de mim do que eu mesma.
Por isso reconheço ser inútil varrer a sujeira para debaixo do tapete,
e sorrir ao te receber em casa.

Então,
só o que me resta é te dizer:
por favor,
no caminho para cá,
compra gasolina e fósforos.

Vamos dançar sobre as cinzas da fábrica.

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