Assim como José

Gabriela Pontes
9 min readMay 2, 2021

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A maioria de nós conhece bem a história de José (o de Gênesis, não o pai de Jesus hehe). Este não é um texto para narrar a história de José, até porque a Bíblia faz isso muito melhor do que eu jamais faria; mas gostaria de dar um panorama sobre a história desse homem de fé e apresentar por que devemos ser mais parecidos com ele.

Serei breve na medida do possível sobre a narrativa de José, recomendo que leiam Gênesis 37 a 50 depois para uma visão mais completa.

A história de José

José era filho de Jacó e Raquel, uma das mulheres de seu pai e a mais amada dentre elas. Raquel enfrentava dificuldades para engravidar, até que Deus a abençoou com o nascimento de José e, depois de alguns anos, Benjamim. Sendo José filho da mulher que Jacó amava e o “filho de sua velhice” (Gn 37:3), José era extremamente amado por seu pai. Isso e a túnica que Jacó dá a seu filho geram ódio por José no coração de seus irmãos.

José, aos dezessete anos, tem dois sonhos. Em ambos, a ideia era simples: José teria autoridade sobre sua família (guarde essa informação). Detalhe: José conta esses sonhos à família. Você pode pensar: “esse garoto realmente queria ser odiado, né?” ─ talvez, quem sabe? Brincadeiras à parte, José agora tinha, no mínimo, 12 testemunhas sobre seus sonhos: seus onze irmãos e seu pai.

Então, um dia, quando seus irmãos apascentavam o rebanho de Jacó, José foi até eles para acompanhá-los. Eles desejavam matá-lo, mas não o fazem ─ eles o vendem. Eles tomam sua túnica, tingem de sangue de bode e a levam a Jacó, dando a entender que José havia sido morto.

José foi vendido a Potifar, o comandante da guarda de Faraó, no Egito. Lá ele servia em sua casa. Quando o comandante viu que tudo que José fazia era próspero, e que “o Senhor era com ele” (Gn 39:3), o colocou como autoridade em sua casa. José, um escravo hebreu, jovem, vendido por seus irmãos, distante de casa, sozinho em terra estrangeira ─ esse era agora a maior autoridade na casa de um oficial do Faraó do Egito.

José, depois de um tempo, é preso ─ mulher de Potifar havia o acusado falsamente de tentar ter relações sexuais com ela. Ela faz isso porque assediava José constantemente, e ele não correspondia. Na prisão, José também recebe autoridade. O carcereiro confia a José todos os presos do local. “O Senhor, porém, era com José, foi bondoso com ele e fez com que encontrasse favor aos olhos do carcereiro” (Gn 39:21). José, talvez não mais tão jovem, escravo hebreu em terra estrangeira que fora acusado falsamente de assediar a esposa de seu senhor, preso injustamente ─ esse era agora autoridade na prisão em que era um dos prisioneiros.

Na prisão, dois presos têm sonhos. José pede que o contem para que ele tente os interpretar. Eles o fazem, José interpreta, e as interpretações se realizam três dias depois. Um deles é morto, o outro retorna ao seu posto de trabalho. José pede a este que se lembre dele quando retornasse, para que pudesse ser liberto; mas o homem se esquece de José por dois anos, até que Faraó tem dois sonhos que ninguém consegue interpretar.

O homem então se lembra de José, que é chamado à presença de Faraó. Faraó o conta os sonhos, que eram bastante semelhantes e tinham a mesma interpretação, sendo na verdade um sonho só. José interpreta: o sonho era o Senhor alertando sobre sete anos de prosperidade e sete anos de fome que viriam. José não apenas interpreta o sonho, mas também dá conselhos a Faraó sobre o que fazer! Isso fez com que Faraó se agradasse de José, que o coloca no posto de governador do Egito para que ficasse responsável pela administração, não só da casa real, mas de todo o povo. A única autoridade maior que José agora era o próprio Faraó. José, com trinta anos agora, hebreu vendido como escravo à terra estrangeira, que fora preso injustamente, sozinho e distante de casa ─ esse era agora o governador de toda a terra do Egito.

José se casa, tem dois filhos, e depois de algum tempo, a fome enfim se inicia. Ela se estende a muito além do Egito, chegando também onde estava sua família. Resumidamente, os irmãos de José são enviados por seu pai ao Egito para comprarem mantimento, José os reconhece (mas eles não), ele arruma desculpas e mantém um de seus irmãos preso para que eles trouxessem Benjamim ─ seu único irmão de mesma mãe, que não estava com eles. Válido pontuar que José vende mantimento a eles, mas coloca o dinheiro que eles o pagam nas sacolas deles.

Depois de certo tempo, seus irmãos retornam para comprar mais mantimento, levam Benjamim, e José come com eles em sua casa. José dá seus pulos para tentar manter Benjamim com ele, mas os irmãos nunca fariam isso, porque seria o suficiente para que Jacó morresse do coração. Sem forças para disfarçar na frente dos irmãos mais tempo, José se dá a conhecer a eles. Lágrimas, abraços e beijos rolam, e, por fim, toda a família passa a morar próxima ao Egito, e José se responsabiliza por sustentá-los durante o período de fome que estavam enfrentando.

O caráter de José

Diante desse resumo (tentei) apresentado, diversas coisas sobre José merecem atenção. Primeiro, José honrava a Deus em tudo que fazia ─ ainda que escravo, ainda que preso, e mesmo quando governava sobre uma nação. José pode não ter conhecido o Apóstolo Paulo, que só veio a nascer muitos e muitos anos depois, mas este princípio estava em seu coração:

“Vós, servos, obedecei a vossos senhores deste mundo, com temor e tremor, com sinceridade de coração, assim como a Cristo, não servindo só quando observados, como para agradar os homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus, servindo de boa vontade como se servissem ao Senhor e não aos homens.”
Efésios 6:5–7

José sabia que o Senhor era digno de toda a sua boa vontade, do seu esforço e da sua honestidade. Ele amava o Senhor com sua força (Mc 12:30), ele o honrava em todas as suas obrigações, ainda que estivesse sofrendo.

Obs.: Acho importante pontuar que todas as referências bíblicas que eu mencionar neste texto eram desconhecidas por José, porque sequer existiam! E isso é uma das coisas que tornam esse personagem tão interessante de ser aprofundado.

“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.” Provérbios 1:7a

O temor e amor a Yahweh moldavam os ideais e princípios de José. Ele não precisou conhecer o Novo Testamento para aprender o que está em Efésios 6:5–7, não precisou ouvir o Sermão do Monte para entender que não deveria agir em vingança, nem ouvir Jesus dizer que deveria amar Deus acima de tudo ─ eram princípios impressos em seu coração por Deus, através do conhecimento que ele já havia recebido do Senhor.

Além de ser vendido por seus irmãos, José agora seria acusado de algo que não fez. Mesmo vivendo em integridade, honrando o Senhor com sua força, cumprindo tudo que lhe era estabelecido, agora José estava preso. Primeiro, vamos olhar para o motivo que o levou a isso.

José é preso por permanecer íntegro. Ele era uma autoridade naquele local, tinha uma mulher bonita (e casada) atrás dele, ficava sozinho na casa uma parte do tempo: ele poderia ter pegado a oportunidade ─ mas não o fez, porque tinha uma vida íntegra diante do Senhor: “cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (Gn 39:9). Seu motivo para não cometer tal transgressão não era apenas uma lei moral superficial de não desrespeitar o homem que o empregava, mas também e principalmente porque sabia que isso seria desonra contra o Senhor. Ele vivia conscientemente diante do Senhor a todo tempo. Diferente de nós que, muitas vezes, não fazemos coisas erradas apenas por causa de uma lista de Pode x Não Pode, José sabia que suas ações deveriam ser regidas pelo amor e temor ao Senhor. Ele é um Deus santo, e devemos agir em concordância com o que ele é.

Podemos ver que a situação de José era nem um pouco boa. Seria muito difícil ver uma luz no fim do túnel depois de ser feito escravo e, ainda por cima, preso. Eu me sentiria cada vez pior. Geralmente com textos bíblicos, nós acabamos sendo muito apáticos sobre sofrimentos por achar que todo mundo era muito pleno e em paz com tudo. Quando na verdade, José estava sofrendo muito com tudo isso. Mais para frente na história, quando José é governador, se casa e tem filhos, vemos que ambos os nomes que José dá a seus filhos são relativos a seu sofrimento na terra: ‘Deus me fez esquecer de todos os meus trabalhos e de toda a casa de meu pai’ e ‘Deus me fez próspero na terra da minha aflição’ (Gn 41:31–32) são as palavras de José nos dois nascimentos. Ele era um sofredor, um injustiçado, mas a nenhum momento deixou de honrar o Senhor, o que vemos durante toda a narrativa. Nós nos ofendemos muito facilmente quando se trata de sofrer. Afinal, se eu sirvo a Deus, eu deveria estar isento de situações ruins! Que absurdo passar dificuldades, não é mesmo?! Não. Os sofrimentos nos moldam, nos fortalecem e nos revelam novos aspectos acerca de Deus e nós mesmos. Como disse João Manô, “a dor coopera para o meu bem”. Em vez de ficarmos desesperançados em frente a momentos ruins, nosso coração deve repousar na confiança de que Deus é bom em todos os momentos, e pensar “como Deus pode ser glorificado através disso? Em que essa dor me é útil? O que está sendo tratado em mim?”.

Depois de ter interpretado corretamente os sonhos dos prisioneiros de Faraó, José é esquecido por 2 anos pelo homem que continuou vivo. Isso também deve ter mantido ele ansioso por pensar que essa era sua única chance de sair de lá, e frustrado por ver o resultado.

Beleza, Gabriela. Já entendi que José sofreu pra caramba. O que de bom dá para tirar disso? Ele era muito maneiro! Sofreu a toa?

Essa é a parte mais interessante! José não passou por isso tudo à toa. É possível vermos uma progressão em toda a história dele. José primeiro sonha com a promessa divina de uma posição de autoridade. Ele é vendido ao Egito e governa sobre a casa de Potifar. É preso e governa sobre a prisão. José foi preparado para a posição a que o Senhor desejava o levar: o governo do Egito. Ele não recebeu a promessa de autoridade e foi jogado nessa posição ─ ele passou por um longo processo de construção e preparação. A história começa falando de José aos 17 anos, mas ele só chega ao governo aos 30!

O caminho por que José passa também lhe é familiar. A revelação lhe veio por sonho. Na prisão ele interpreta dois sonhos, que acontecem! Talvez isso tenha gerado um estalo de esperança renovada dentro dele. Talvez aquilo que lhe havia sido mostrado não era mera ilusão. E, por fim, interpreta o sonho de Faraó. A cena com Faraó é interessante, porque, ao interpretar, José diz que “O sonho veio a Faraó duas vezes, porque isso foi determinado por Deus, e ele em breve o fará” (Gn 41:32). Como ele sabia que sonhar duas vezes com algo era demonstração de um estabelecimento de Deus? José também sonhou duas vezes. Esse conhecimento talvez houvesse sido uma confirmação que Deus já o havia revelado sobre seu próprio sonho.

Obs.: Pouco nos é dado sobre os pensamentos de José e seus momentos de intimidade com o Senhor, então algumas dessas coisas que estou falando, como sobre o versículo 32, são fruto de especulação do que não é expressamente dito. Acho que é importante avisar.

A vida de José teve por ponto principal a obediência e confiança, o amor e a humildade. Ele permaneceu fiel, e certo de que o que Deus promete, ele também cumpre. Aprendeu a ser humilde e não se exaltar pela bondade do Senhor em sua vida, e que tudo que aconteceu foi graças a Ele e para o bem de todos (Gn 45:7).

Ele teve um coração perdoador e amoroso o suficiente para chorar e beijar seus irmãos, e, depois, para sustentá-los. Em nenhum momento fala de vingança, e pede para que eles não se acusem entre si sobre o ocorrido. José com certeza passou por um longo processo de perdão com o Senhor, que o levou a encontrar disposição sincera de coração para amá-los e demonstrar perdão por meio de suas ações. Ele não dá a eles apenas o necessário, evitando esforço e contato. Ele os sustenta da melhor forma, com o fruto do seu trabalho no lugar para onde foi vendido por eles.

“Sendo o caminho dos homens agradável ao Senhor, este reconcilia com eles os seus inimigos.” Provérbios 16:7

No fim de tudo, perto de morrer, José profetiza sobre a saída dos hebreus daquela terra. Ele, assim como os seus patriarcas, creu no que não viu e não participou. Ele foi um herói da fé.

Em José, são reveladas muitas características de Jesus. José seria uma sombra do que veríamos plenamente no Cristo encarnado. Assim como José, Jesus nos mostra que devemos amar em sinceridade; ser mansos, humildes de coração e perdoadores, cuidando mesmo daqueles que nos odeiam; fiéis no pouco para sermos também no muito; e perseverar no amor e temor de Deus, mesmo em meio às maiores provações ou traições. Que o Senhor nos conceda a sabedoria, a força, a fé e o amor, para que o honremos em todas as nossas escolhas e atitudes, assim como José.

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